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São João

São

João:

milagre da

multiplicação

Como o Nordeste - e o Brasil - viram uma ancestral festividade rural se transformar num dos maiores eventos do país, com R$ 6 bilhões movimentados a cada ano

por_Chris Fuscaldo do_Recife

Bandeirinhas de São João
Como o Nordeste - e o Brasil - viram uma ancestral festividade rural se transformar num dos maiores eventos do país, com R$ 6 bilhões movimentados a cada ano

por_Chris Fuscaldo do_Recife

Muito antes de se tornarem um fenômeno nacional que mistura tradição e modernidade numa expressão viva da cultura do Nordeste, as festas juninas sempre foram pequenos eventos familiares, celebrações rurais das colheitas e semeaduras de meio de ano. Quem é do Nordeste espera com ansiedade a temporada que começa com Santo Antônio (13 de junho), passa pelo ápice no São João (24) e se encerra com São Pedro (29). E abraça essas festividades que são puro sincretismo: das quadrilhas e dos sons de origem europeia (acordeão, triângulo) e africana (zabumba e outros instrumentos de percussão), aos quitutes de milho de origem indígena, passando pelo uso de fogueiras para celebrar a fertilidade da terra, comum às três culturas.

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O gigantismo da festa em Campina Grande (PB), um dos epicentros do São João

Sociedades ancestrais, na Europa, na Ásia e no Oriente Médio já cultuavam a chegada do verão ao Hemisfério Norte e a época de colheitas há milênios. Os romanos assimilaram essas tradições e as incoroporaram ao cristianismo, adotado como religião oficial pelo Império no século I. A roupagem atual, dada pelos colonizadores portugueses, pôs o foco nas características dos três santos, figuras centrais das festas: o Santo Antônio casamenteiro, o São Pedro protetor das colheitas e o São Pedro associado à renovação, à proteção divina e aos milagres.

“A Igreja entendeu que, em vez de ficar dentro da diocese, era melhor juntar o sagrado e profano no mesmo espaço”, afirma o historiador José Urbano, consultor Cultural e membro da Academia de Cultura da Secretaria de Cultura de Caruaru.

Uma junção que deu numa explosão de sons e sabores. “No sítio, vovó fazia a fogueira nas vésperas dos santos e assava o milho. Tinha toda uma culinária, canjica, pamonha, milho verde, milho assado... E a bandeira junina! A festa junina é um guarda-chuva que reúne o xote, o xaxado, a dança, a quadrilha junina, e é uma espécie de teatro aberto”, resume Silvério Pessoa, músico pernambucano da Zona da Mata, da cidade de Carpina, e ex-secretário de Cultura de Pernambuco.

A mistura deu tão certo que ganhou um gigantismo impressionante, espalhou-se pelo país com sons e sotaques regionais e movimenta, segundo o Ministério do Turismo, nada menos que R$ 6 bilhões anualmente — R$ 1,1 bilhão só nas duas capitais nacionais do São João por excelência: Caruaru (PE) e Campina Grande (PB), que, juntas, responderiam por metade do dinheiro gerado no Nordeste nessa época de festas.

“As festas mais tradicionais trazem a cultura do sertão profundo, elas chegaram ao litoral depois. Lá em minha cidade, São Bento do Una (PE), éramos 5 mil habitantes com uma conexão bem forte com Portugal, devido à colonização. A maioria era parente que se casava com parente. A Valençada ia toda para o sítio do meu pai, a Fazenda Riachão, para brincar a quadrilha, que trazia elementos das danças francesas: se cantava ‘anavantur’, ‘en arrière’ (‘anarriê’), ‘balancer’…”, relembra Alceu Valença à UBC. “E lá estavam o sanfoneiro, o zabumbeiro, o triângulo. Depois, o rádio chegou às casas e, com ele, a voz de Luiz Gonzaga, que foi quem impulsionou a música das festas juninas no Brasil todo. ‘Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião…’”, canta o artista do sertão semi-árido que tem a sua “Anunciação” entre as músicas mais tocadas em festas da Paraíba e da Bahia.

DOIS EPICENTROS JUNINOS

Se tanto em Caruaru quanto em Campina Grande encontram-se artistas tradicionais do forró na programação, preenchem os palcos principais nomes que vão de Alceu Valença a Wesley Safadão, Léo Foguete, Forró Pegado, Seu Desejo, Bruno e Marrone e Jorge e Mateus. Este ano, o São João de Campina Grande terá 38 dias de duração. Já o de Caruaru terá mais de 1.400 atrações em 27 polos durante 65 dias. As duas cidades disputam o título de maior São João do Mundo. O historiador José Urbano conta como as festas nas cidades se desenvolveram:

“Caruaru curiosamente não tinha tradição junina, mas carnaval. A festa junina popular começou na década de 1970, quando um cidadão chamado Agripino Pereira, odontólogo, juntou dinheiro com os vizinhos para celebrar um São João comunitário na rua. Nessa mesma época, os radialistas Lirio Cavalcanti e Ivan Bulhões criaram as caravanas do rádio, que saíam como trios elétricos para que os artistas pudessem se apresentar pelas ruas. Em 1973, tiveram a ideia de decorar a rua para essa festa que teria a participação dos cantores de rádio. Em 1974, a festa teve o primeiro patrocínio, que foi a fábrica da aguardente Pitu. No ano seguinte, cresceu e migrou da Rua São Roque para a Três de Maio. E lá ficou até o final dos anos 1980, quando a administração municipal viu aquilo como fonte de receita e abraçou o evento. Em 1984, a festa foi para a Rua Rui Barbosa e, em maio de 1995, finalmente houve a inauguração do Pátio de Eventos, uma área de 40 mil metros quadrados, que acomoda 100 a 120 mil pessoas.”

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Luiz Gonzaga: figura mítica do São João e unanimidade entre velhas e novas gerações
Luiz Gonzaga: figura mítica do São João e unanimidade entre velhas e novas gerações

Essa narrativa mostra como o evento deixou de ser uma celebração particular para tornar-se uma festividade coletiva. Segundo o professor Urbano, em 1992, o então prefeito de Campina Grande Cássio Cunha Lima foi Caruaru conhecer o São João e resolveu fazer as festas locais da cidade paraibana traçarem o mesmo caminho. “Unidas, as duas cidades fazem o maior São João do mundo, e eu não gosto de ver isso como uma rivalidade”, explica o historiador.

Bem antes da estreita relação cultural, Caruaru e Campina Grande já tiveram uma forte conexão comercial. No início do século XX, a cidade pernambucana se transformou num importante polo têxtil no Nordeste, e era Campina Grande, um centro regional de cultivo e comércio de algodão, uma de suas principais fornecedoras. Grande parte da matéria-prima chegada da Paraíba, inclusive, nem sequer permanecia em Caruaru. Era limpa e beneficiada, seguindo para Recife, de onde era exportada para Liverpool e outras cidades inglesas — um algodão nordestino que terminava alimentando as indústrias de tecelagem da alta moda europeia.

OUTROS SOTAQUES

Para um nordestino, é curioso pensar que suas festas se espalharam pelo Brasil todo e, em alguns lugares, ganharam outras roupagens. Em Mossoró (RN), por exemplo, há a encenação do espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró” durante os festejos de São João, que celebra a expulsão do bando de Lampião da cidade e conta a história da luta com os cangaceiros. No Rio Grande do Sul, os celebrantes vão de vestidos de prenda e bombacha. A música é o xote gaúcho, o chamamé argentino e o vaneirão. E o churrasco se une ao indefectível milho na culinária. No Centro-Oeste brasileiro, mais especificamente em Cuiabá, elementos dos países de fronteira – Argentina, Paraguai e Bolívia – se misturam às tradições. A polca paraguaia influencia o ritmo e a dança, por exemplo.

No Maranhão, a celebração incorpora elementos do bumba meu boi, assim como no Amazonas, cuja lendária competição entre os bois Caprichoso e Garantido nada mais é do que o jeito local de Parintins para celebrar as festas juninas. Na maioria das festas de São Paulo, o sertanejo (primeiro, em suas vertentes caipiras, mais recentemente na versão universitária e nas fusões com gêneros nordestinos) sempre ocupou o espaço nobre da programação musical. Já Minas Gerais inseriu elementos da comida mineira na culinária, entre eles o pão de queijo e a mandioca frita.

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Banda de pífanos tradicional da feira de Caruaru

No Rio de Janeiro, o “arraiá” mais tradicional é o que acontece no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, a famosa feira de São Cristóvão. Com seis palcos – dois grandes para artistas como Lucy Alves e quatro pequenos para abrigar os trios –, o espaço abriga até 10 mil pessoas e faz festas de maio a setembro.

“Aqui no Rio, a paixão pelos folguedos juninos é muito grande. O Rio faz ‘arraiá’, que é a mesma coisa da festa junina. A feira abraça todos os forrós. Além dos palcos, no meio da feira tem um dedicado à tradição do repente, do cordel. Quando chega o período junino, a feira é toda decorada e recebe os cortejos de quadrilhas. As maiores quadrilhas do Estado do Rio de Janeiro desfilam antes de os shows começarem”, conta Marcus Lucenna, cantor e compositor de Mossoró, que virou um agitador cultural do espaço quando chegou ao Rio, nos anos 1970.

O rádio chegou às casas e, com ele, a voz de Luiz Gonzaga, que foi quem impulsionou a música das festas juninas no Brasil todo.

Alceu Valença

E O MAR VIROU SERTÃO

Não foi só no Rio. Todas as cidades litorâneas nordestinas viraram sertão ao abraçar a tradição do interior do Nordeste. Quando pequena, a cantora e compositora Amelinha, de Fortaleza, conheceu uma visão de sertão muito própria.

“Na minha casa, ouvia-se música francesa e, depois, Dorival Caymmi, João Gilberto, o pessoal da bossa nova... Mas, quando chegava junho, vinha Luiz Gonzaga cantando através da radiola. ‘Olha pro céu, meu amor... Vê como ele está lindo!’", ela canta. "Minha mãe e meu tio mais velho faziam festas de São João lá em casa. Eles enfeitavam a casa com bandeirinhas, lanternas, preparavam comidas típicas. Nós vestíamos vestidos de chita. Eu só fui conhecer Luiz Gonzaga para além do São João aos 13 anos."

Ao explodir no Brasil inteiro em 1980 com “Frevo Mulher”, composição de Zé Ramalho que também figura no ranking de mais tocadas na voz dela, a cantora começou a viajar por todo o país. O São João levou Amelinha a conhecer o Nordeste profundo, esse que as novas gerações de artistas – hoje dominando as programações das grandes festas – conhecem pouco. Afinal, já não é preciso mais viajar para o interior para estar com a agenda cheia durante junho.

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Trio Nordestino: monumento vivo do São João baiano

Não é o caso de Natascha Falcão, pernambucana de Recife que cresceu frequentando as festas de Belo Jardim, município onde parte de sua família morava, e as de Patos, cidade paraibana onde mantinha laços de amizade. A cantora é de uma geração que ouviu outros nomes da música nordestina, mas manteve o gosto pela tradição:

“Ano passado lancei o EP ‘Universo de Paixão’, só de forró estilizado – o chamado ‘forró de plástico’ – dos anos 90 e 2000, que cresci ouvindo. Este ano lanço o volume 2. Eu sou uma cantora múltipla e tenho muitas referências. Eu não fico ali no que se espera do estereótipo de um álbum de cultura popular. No meu show tem ciranda, coco, xote, forró, maracatu rural, ijexá... Fico feliz que, em Recife, ainda se valorize muito o artista da terra. A gente canta o nosso jeito de sentir. O forró é a nossa cultura. O forró é para a gente como é o samba para o Rio de Janeiro.”

UM NOME ACIMA DE TODOS

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Silvério Pessoa, músico pernambucano: 'A festa junina é um guarda-chuva, um teatro a céu aberto'

A única unanimidade, mesmo, entre jovens e veteranos é Luiz Gonzaga. Antes do comércio dos aparelhos de rádio, sua música já tocava nas ruas das cidades e nas feiras típicas através dos serviços de alto-falantes. Ainda hoje, canções como “Numa Sala de Reboco” e “Fogo sem Fuzil” (Gonzagão com José Marcolino), “Baião de Dois” (com Humberto Teixeira), “Olha Pro Céu” (com Peterpan) e “A Vida do Viajante” (com Herve Cordovil) não saem dos rankings das músicas mais tocadas em shows de festas juninas, segundo dados do Ecad.

“Gonzagão dá sorte de estar sendo tocado por moleques do trap, do rap, por Juliette, João Gomes... Mas os forrozeiros vivos estão tocando pouco, com cachês baixos. Surgem os outros gêneros. Eu não vejo nenhum problema na nova música, ela tem que ser tocada. E acho especialmente João Gomes sensacional. Ele começou no lugar onde tem a Missa do Vaqueiro (Serrita, no Parque Nacional do Vaqueiro, no Sítio Lages). O piseiro que ele faz é quase um xote duro. Acho só que os mestres vivos também deveriam estar nesses lugares. Poderia haver mais parcerias que reintroduzissem os grandes mestres. Eu sinto falta também, por exemplo, de uma festa junina grande em Exu (cidade de Gonzagão)”, afirma Daniel Gonzaga, neto de Gonzagão e filho de Gonzaguinha, hoje parceiro de Anastácia em shows e projetos musicais.

João está tão conectado ao universo junino que lançou no início de junho o disco “Do Jeito Que o Povo Gosta”, um abraço a sonoridades brasileiras diversas em versões piseiro, gênero que o consagrou. Sucessos de Arnaldo Antunes, Herbert Vianna, Paula Toller e Marisa Monte, entre vários outros, integram o álbum. As colaborações também são destaque. Zé Vaqueiro e João na faixa “Clichê” (escrita por Ludmilla, Jefferson Lima, Toninho Aguiar e Umberto Tavares), além de Hungria na canção “Deus Eu Te Peço” (escrita por Dan Ferreira), e Yara Tchê na canção “Solidão” (de Carlos Colla e Chico Roque). Entre as inéditas, “Meu Bem”, composta por João.

Não foi o único lançamento dele nesta temporada junina. Unido a Mestrinho e Jota.pê, ele apresenta “Dominguinho”, um álbum gravado no Sítio Histórico de Olinda que mistura o estilo da música acústica com a energia de encontros entre amigos. No repertório, 12 faixas, entre releituras de artistas como Charlie Brown Jr. e inéditas como “Flor”, de Mestrinho.

VESTIDAS DE CHITA

Com sua “Eu Só Quero um Xodó”, composição em parceria com Dominguinhos, no ranking das mais tocadas em Pernambuco e na Bahia, Anastácia é a Rainha do Forró que mais tem músicas registradas entre as cantoras e compositoras vivas, mas não está nos palcos principais este ano. Do alto de seus 85 anos, ela lembra quando, aos 5, via sua mãe decorando a casa com lanterninhas e a ajudava a catar gravetos para a confecção da fogueira:

“Todo mundo fazia fogueira na porta de casa. Era uma lenda: quem não fizesse morria no outro ano”, relembra.

No bairro de Macaxeira, periferia de Recife, mais tarde ela passou a juntar os tostões que sobravam das compras na feira, de janeiro a junho, para poder adquirir o tecido e encomendar seu vestido de chita à costureira.

“Quando novinha, cantei em Caruaru, mas a festa lá não tinha a relevância que tem hoje. Era uma cidade menor. A Rádio Difusora de Caruaru era do mesmo dono da Rádio Jornal do Commercio, onde eu trabalhava como cantora. Aí, quando chegava no período de São João, a própria rádio do Recife escalava os artistas para irem à rádio de Caruaru fazer o show. Eu aproveitava e já arranjava um jeito de cantar nos palcos da cidade. Era um trio de forró, nos palanques ou nos clubes. Hoje, a música evoluiu, e um trio não faz tanto barulho como uma banda, que tem que tocar para aquela enormidade de pessoas. A tradição ainda aparece nas fantasias de cangaceiros, em alguns shows e nas roupas de caipira que algumas pessoas usam... Só que hoje a caipirinha é chique, com brilhos”, brinca a pernambucana, que diz que sua música lhe permite fazer festa de São João durante o ano todo, em seus shows.

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Grupo Os Três Nordestinos

Expoente da geração seguinte, Cátia de França também participou de festas familiares em João Pessoa, capital paraibana, mas fugiu rápido da obrigação de se vestir como as meninas da época.

“Tinha fogueira, faca enfiada para descobrir histórias, foguinhos inofensivos, roupa a caráter, vestido de chita com sandalhinha de rabicho, que eu usei só até engrossar a voz. Um dia, na adolescência, falei: ‘Não vou mais me vestir de matuta’. Depois, comecei a fazer shows pela Paraíba e Pernambuco. Em Campina Grande, nos anos 1980, não era no Parque do Povo... Era tudo menor, festas de família, eu era convidada por amigos. Em Campina Grande, eu ia para a feira cantar as coisas do (poeta) João Cabral de Mello Neto, com uma lata de leite em pó cheia de sementes para dar o balanço do ganzá. Eu me hospedava na casa de Elba Ramalho, pois éramos amigas, e a mãe dela gostava muito de mim. Hoje, faço menos shows nessa época do ano. Minha música passa por maracatu, coco, e eu incluo mais forró quando toco em festa de São João”, afirma Cátia.

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Show no palco do São João de Caruaru: gigantismo

Assim como Cátia, o percussionista pernambucano Francisco Xavier da Silva, mais conhecido como Gavião, tem preferido se apresentar em eventos do Rio de Janeiro com seu grupo, Os Três Nordestinos. Cansou de não receber pagamentos por seus shows e viajar na incerteza, e acha que já conhece o suficiente das festas brasileiras:

"Cada festa tem seu estilo, mas todos os lugares têm São João. É uma festa organizada, tanto na Paraíba quanto na Bahia, no Sergipe... Não mudo o estilo. Forró é tipo um calo: nunca sai do pé. Modificou muito, mas não cai”, afirma Gavião.

DIREITOS E DEVERES

As festas juninas sofreram tantas transformações ao longo dos tempos que, em certas cidades do Brasil, a programação não contempla artistas nordestinos. “A gente tocava mais em palco principal do que hoje em dia. Hoje, tem muito artista que não tem a ver com nossa cultura. O São João permanece, mas o forró, não tanto”, diz Luiz Mário, triângulo e voz do Trio Nordestino, que afirma ter nas festas juninas da Bahia, seu estado natal, mais espaço do que nas de Pernambuco e Paraíba.

Ainda assim, o tradicional grupo – que daqui a três anos vai completar sete décadas de formação – fez suas adaptações para poder subir ao palco provocando o mesmo barulho: “Nunca saímos da originalidade, da nossa musicalidade, mas nos desenvolvemos para chegar ao palco com estrutura elevada. Permanecemos com sanfona, zabumba, triângulo. Desde a época do meu pai já tinha guitarra, bateria e baixo, e acrescentamos duas vocalistas, flauta e percussão. A folha salarial é gigantesca, e a gente tem que tocar conforme a música de hoje.”

A tradição ainda aparece nas fantasias de cangaceiros, em alguns shows... Só que hoje a caipirinha é chique, com brilhos.

Anastácia

Luiz Mario é filho de Lindú (voz e sanfona), que formou o Trio Nordestino em 1958 com Coroné (zabumba) e Cobrinha (triângulo). O músico, que não queria que o filho seguisse seus passos, morreu cedo, em 1982, antes de completar 45 anos. Luiz assumiu o seu lugar somente em 1993, sem ter a total dimensão do tamanho e da relevância que o grupo do pai já tinha no mercado da música.

O Trio Nordestino tem 19 shows marcados só para junho, a maioria na Bahia, que ocupa o primeiro lugar no ranking dos estados inadimplentes no pagamento dos direitos autorais de execução pública musical em festas juninas, segundo dados do Ecad. Depois, vêm Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Amazonas, Alagoas, Rio de Janeiro, Pará e Goiás, nessa ordem. Mesmo sendo praças importantes, Campina Grande (PB) e Petrolina (PE) seguem há mais de duas décadas sem cumprir integralmente a legislação que assegura a remuneração de compositores e autores musicais.

“Infelizmente, muitos organizadores dessas celebrações, que movimentam milhões e atraem turistas do país inteiro, não respeitam os direitos dos artistas. Com isso, os compositores, especialmente aqueles que não sobem ao palco, deixam de receber valores que são seus por direito. Em alguns casos, poderiam até dobrar o que recebem hoje, caso todos os eventos fizessem os pagamentos corretamente”, afirma Giselle Luz, gerente regional do Ecad nos estados da Paraíba e de Pernambuco.

Diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco faz coro com ela e vai além. “Existe uma defasagem absurda entre as receitas geradas pelas festas juninas e julinas e o correto e adequado pagamento dos direitos autorais nas regiões, especialmente no Norte e Nordeste. Uma evasão de direitos autorais onde o poder público é conivente e cúmplice, numa visão curta e distorcida do que é um mercado cultural e de negócios autossustentável", denuncia. "A festa é de todos, mas começa com a contribuição dos autores, na sua grande maioria das próprias regiões, que alimentam os eventos com sua inspiração e arte e não recebem por seu trabalho. Ecad e sociedades decidiram mais do que nunca ser proativos nesta cobrança, que é educativa e assertiva. Sem o autor, a festa não existe e não se sustenta."

Em 2024, o Ecad distribuiu R$ 5,9 milhões em direitos autorais no segmento para mais de 10,2 mil compositores e artistas que tiverem suas músicas tocadas nos festejos juninos em todo o país. Apesar do cenário de inadimplência, diversas festas juninas em todo o Brasil vêm demonstrando que é possível conciliar celebração e responsabilidade legal. São João de Caruaru (PE), Forró Caju (SE), Arraiá de Barueri (SP), Pararraiá – São João da Amazônia (PA), o Arraiá de Itumbiara (GO) e o Maior São João do Cerrado (DF) estão em dia com os direitos autorais e fizeram o licenciamento no último ano.

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Uma festa, muitas caras: da esquerda para a direita, Alceu Valença; Anastácia e Daniel Gonzaga; Cátia França; Marcus Lucenna; Amelinha; Silvério Pessoa; Gonzagão; Natascha Falcão
Uma festa, muitas caras: da esquerda para a direita, Alceu Valença; Anastácia e Daniel Gonzaga; Cátia França; Marcus Lucenna; Amelinha; Silvério Pessoa; Gonzagão; Natascha Falcão
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