por_Kamille Viola • do_Rio
É difícil dizer qual foi o primeiro álbum deluxe da história, mas os primeiros registros de que se tem notícia não são novos: já em 1969, o Led Zeppelin lançou uma edição estendida de seu primeiro e homônimo álbum, de 1968, com versões remasterizadas de todas as músicas e gravações ao vivo. Na transição do vinil para o CD, esse formato ganhou impulso: com os relançamentos de discos na nova mídia, muitos artistas aproveitaram para incluir faixas-bônus. Na era do streaming, essas versões 'revisitadas' voltam a ganhar força, lá fora e aqui.

A empresária Anita Carvalho, fundadora da Rio Music Academy
Funciona assim: um tempo depois de lançar um disco, o artista solta a edição expandida — ou deluxe, como é chamada agora —, com faixas a mais, entre remixes, feats, novas versões e músicas inéditas. Alguns ganham até uma capa diferente. Se, antes, esse intervalo entre o trabalho original e o novo chegava a anos, hoje ele é de meses. Anitta, Jão, Luísa Sonza, Tuyo, Fresno e KING Saints estão entre os muitos associados da UBC a apostar nesse tipo de álbum do ano passado para cá. Lá fora, no mesmo período, Sabrina Carpenter, Megan Thee Stallion e Green Day foram alguns dos nomes que lançaram deluxes.
Mas se, antigamente, essas versões se revertiam em mais vendas, qual sua vantagem em tempos em que a música se tornou um serviço, pelo qual se paga uma assinatura?
Um dos motivos para se apostar no formato hoje é ‘prolongar’ a ‘vida útil’ de um disco. Afinal, em meio a 120 mil lançamentos de músicas por dia, apresentar um álbum significa ter uma única chance de se mostrar para a audiência. A cada lançamento, acontece o pitching, o momento em que a distribuidora vai apresentar as novidades às plataformas, para tentar incluí-las nas playlists, uma das formas que mais trazem impulsionamento digital hoje.
“Quando o artista faz o lançamento de várias músicas juntas, só tem um chance (de ter cada faixa selecionada). O deluxe traz mais um pitch para o projeto”, explica a empresária artística e fundadora da Rio Music Academy, Anita Carvalho.
Ao trazer novas faixas pós-lançamento e integrá-las ao álbum, dentro do mesmo conceito, o artista fortalece aquele trabalho e o coloca em evidência novamente, para além do streaming.
“Você tem mais uma chance de comunicar aos jornalistas, às casas de show, à sua base de fãs que você está em atividade, que aquele trabalho existe”, reforça Anita Carvalho. “Muitas vezes, eu até recomendo que esse deluxe tenha feat, para trazer ainda mais elementos novos”, exemplifica a empresária.
UMA NOVA CHANCE PARA O DISCO?
O deluxe é uma oportunidade de voltar um pouco para o ambiente criativo. É um portal para sair da linha de montagem do lançamento.”
Lio Soares, banda TuyoPode parecer estranho falar em álbuns em um tempo dominado pelos singles, mas, por exemplo, para quem quer chamar a atenção de jornalistas, nem sempre uma faixa sozinha é a melhor opção. “A minha experiência prática é de que a imprensa não dá muita bola para single. Então, se você quiser ter alguma chance de o seu material ser olhado por jornalistas especializados, precisa trazer um projeto mais consistente, como um álbum, ou pelo menos dois EPs”, defende Carvalho.
Além disso, o consumo de música dá indícios de que está mudando mais uma vez: em alguns gêneros, a audição de discos vem crescendo. É o que observa a gerente de marketing da Warner Music Brasil, Camila Arias. “Acompanhando nossos artistas, vejo que parte do público está voltando para esse consumo de um projeto inteiro. Acho que não em todos os gêneros ainda, mas em alguns isso já está despontando”, afirma ela, citando o pagode, o forró e o trap como estilos musicais em que a escuta de álbuns tem se destacado.
APRENDER PARA APRIMORAR
Arias explica que outra vantagem é o fato de que dá para utilizar os aprendizados do lançamento da primeira versão do álbum para aprimorá-lo quando chegar a vez da versão ampliada. Por exemplo: se o público aponta a ausência de diversidade entre os artistas convidados, é possível realizar ajustes que corrijam essa falha. Da mesma forma, se os números ficarem abaixo do esperado, é possível apostar em feats estratégicos com nomes de destaque que ajudem a impulsionar o desempenho. “O grande diferencial hoje em dia, com o digital, são os dados. Você consegue analisar tudo, tem acesso a informações que são valiosíssimas”, reflete a especialista.

Camila Arias, gerente de marketing da Warner Music Brasil
O trio Tuyo é um que vem apostando nesse formato. Em abril do ano passado, eles lançaram seu terceiro álbum, “Paisagem”. Um ano depois, foi a vez de “Paisagem Deluxe”, com sete faixas a mais que o original — que conta com dez composições —, todas acústicas e ao vivo. Antes disso, eles já haviam lançado “Chegamos Sozinhos em Casa Deluxe” (2021), versão estendida do álbum homônimo que saiu em dois volumes. “A gente gosta muito de álbum. Faz parte de quem é advindo da cultura do cantautor”, analisa a cantora e compositora Lio Soares, integrante do grupo surgido no Paraná e radicado em São Paulo.
OPORTUNIDADE CRIATIVA
Para a artista, o deluxe é uma forma de, artisticamente, permanecer no próprio disco por mais tempo. Isso porque, findo o trabalho, é preciso seguir um planejamento intenso e fechado para lançá-lo. “Você entra num volume de trabalho mais pragmático muito forte, depois de sair de um mergulho criativo muito grande. É bem agressivo esse contraste. Eu sinto que o deluxe é uma oportunidade de voltar um pouco para o ambiente que a gente acabou de deixar, que é esse do criativo. É um portal para voltar para a criatividade e sair da linha de montagem do lançamento”, acredita.
Os álbuns estendidos abrem um espaço para a experimentação, já que, nas faixas extras, é possível apostar em estilos diferentes, remixes ou parcerias que não cabiam no conceito principal do disco original.
“Quando você termina uma canção e manda para a mixagem, teve que encerrar um caminho que poderia durar para sempre: ‘E se a gente tirasse essa bateria e botasse esse violão?’, ‘E se a gente botasse o refrão na frente, e não atrás?’. Eu sinto que o deluxe é uma oportunidade de transmutar a canção, de esticá-la de uma forma diferente”, analisa Lio Soares.
No caso do ‘Paisagem’, trabalho mais eletrônico do Tuyo, as faixas do deluxe, todas acústicas, serviram para passar um marca-texto no cancioneiro do grupo, “independentemente das alegorias e das escolhas plásticas que a gente fez ao redor”. “Esse é um disco de composição. Quando a gente esvazia ele de arranjo, deixa só com o violão apoiando, a canção se sobressai”, descreve Soares. “Porque a gente queria isso agora, sendo que, daqui a pouco, talvez a gente queira entender como é que o ‘Paisagem’ funciona no mandelão (subgênero do funk mais pesado e repetitivo), só porque sim, e a gente tenha a oportunidade de fazer um ‘Deluxe 2’, sei lá”, diverte-se ela.

O cantor e compositor Jão no material de divulgação do seu mais recente projeto deluxe, "Lobos (Deluxe)"
Além disso, o deluxe engaja os fãs, que se sentem presenteados com as novidades trazidas pelo artista. Para a cantora e compositora paranaense, isso faz sentido especialmente para nomes que, como o Tuyo, que são midstream — nem mainstream nem underground —, ou seja, não são gigantes nem costumam ganhar exposição na grande mídia, mas já têm uma base de fãs sólida e fiel. “Eu tenho a impressão de que o midstream, no Brasil, ainda é lido como uma posição inexistente: ou você estoura ou volta para o underground. O deluxe, e a insistência na linguagem do disco como um todo, nos ajuda a criar, de alguma maneira, esse lugar — que existe e é de muita saúde para os músicos — onde você não precisa viver grandes tormentos para conseguir fazer música, mas também não precisa se flagelar no universo dos famosos para conseguir ter o mínimo de estabilidade financeira”, compara.
A empresária artística Anita Carvalho frisa que as versões expandidas de álbuns trazem uma série de vantagens, sim, podendo aquecer o algoritmo, atender à demanda dos fãs, chamar a atenção da imprensa e até expandir os limites criativos do artista. Porém, é preciso analisar caso a caso.
“Eu acho que é uma estratégia muito boa quando faz sentido, quando contribui para o que o artista quer enquanto objetivo, enquanto posicionamento”, reflete. “Mas, neste momento, em que a gente vê tanta fórmula de sucesso, ‘Faça assim, faça assado’, ‘Trago o sucesso amado em três dias’, é muito importante que a gente preserve a característica individual e quase artesanal de cada projeto”, conclui. •
