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Previsão é arrecadar € 15 milhões em 2025; receita será revertida principalmente para o mercado independente

por_Eduardo Lemos Martin de_Bath, Reino Unido

Previsão é arrecadar € 15 milhões em 2025; receita será revertida principalmente para o mercado independente

por_Eduardo Lemos Martin de_Bath, Reino Unido

Enquanto o Brasil ainda discute se deve ou não taxar as empresas de streaming de áudio e vídeo que operam no país, países como a França já estão mais adiantados no tema.

No Brasil, há um debate que envolve o governo e o Congresso e que poderia também derivar na instituição de uma taxação às plataformas, tanto de audiovisual (Netflix, HBO Max, Amazon, Apple TV +) como de áudio (Spotify, Amazon, Apple, Deezer). Um percentual, inclusive, já é dado como consenso: 4%. Ao longo dos próximos meses, espera-se que um projeto de lei reflita essa nova taxação e que seja debatido no Congresso.

Por lá, o “imposto sobre streaming de música", como é conhecido, foi instituído em 2024 e obriga apps como Spotify e YouTube a pagarem 1,2% sobre todas as receitas geradas em território francês — isso inclui tanto o valor que as empresas recebem por venderem assinaturas ao consumidor final, como também o dinheiro que arrecadam com publicidade. Devem pagar esse imposto todas as pessoas jurídicas dedicadas a esse negócio, sejam elas sediadas na França ou em outros lugares, e que arrecadam receitas com músicas ou vídeos gravados.

“O governo não idealizou o imposto. Foi a pedido da indústria local, e após muitos anos de negociações, que ele criou uma instituição pública chamada Centro Nacional da Música (CNM), em 2020, para coordenar políticas públicas em favor da música e subsidiar a criação musical. Mas, uma vez superada a crise da Covid e a concessão de subsídios emergenciais, o governo se deparou com um esquema de financiamento incompleto: um imposto já em vigor sobre a venda de ingressos continuaria a financiar a música ao vivo, mas a música gravada não contribuía e, portanto, era inelegível para subsídio", explica Guilhem Cottet, gerente geral da UPFI (União das Produtoras Fonográficas Independentes da França), a principal organização profissional do país que representa produtores e distribuidores musicais independentes e defende os interesses de pequenas e médias empresas junto à indústria musical, às autoridades públicas e ao público em geral.

FORTE OPOSIÇÃO DAS PLATAFORMAS

Após examinar várias possibilidades, a UPFI propôs a criação de um imposto sobre as vendas de plataformas de streaming. Apesar da forte oposição das grandes empresas ao projeto e de suas campanhas contra ele — o Spotify chegou a cancelar o patrocínio de diversos festivais locais, além de aumentar o preço de sua mensalidade na França —, o imposto ganhou o apoio do presidente francês Emannuel Macron. No final de 2023, o Parlamento aprovou a alíquota de 1,2%, que passou a vigorar em 2024.

O imposto evoluiu consideravelmente desde sua adoção há 18 meses, tanto em termos de métodos de aplicação quanto de alíquotas, que também são fruto de compromissos políticos.

“Estamos satisfeitos com a porcentagem de 1,2%, pois ela se baseia no forte crescimento do streaming na França, portanto, seu rendimento aumenta automaticamente. Em 2024, o imposto arrecadou cerca de € 10 milhões (coisa de R$ 63 milhões), mas ultrapassará € 15 milhões (R$ 95 milhões) em 2025, com uma estimativa de € 25 milhões (R$ 159 milhões) em 2028. É uma trajetória em linha com nossas projeções, atreladas ao aumento das vendas de streaming de música”, diz Cottet.

Na prática, os recursos são redistribuídos de duas maneiras: por meio de uma conta de apoio automática reservada para empresas com investimentos recorrentes e substanciais, e por meio de subsídios seletivos, cuja alocação e nível são determinados por comissões compostas por profissionais.

O gerenciamento dos valores e a definição de como eles serão utilizados é feita pelo CNM. Em comunicados oficiais, o instituto diz que seu objetivo é fomentar a diversidade da indústria musical francesa, abrangendo diversos modelos estéticos, regionais ou econômicos, divididos em dois grupos. O primeiro tem como foco os chamados “programas especializados”, adaptados para atender às necessidades específicas de todos os setores musicais - a indústria fonográfica, a indústria ao vivo, a edição musical e as lojas de discos. O segundo é o “financiamento intersetorial”, destinado a apoiar a indústria local no enfrentamento dos principais desafios contemporâneos, como transição ecológica, inovação, desenvolvimento internacional e igualdade de gênero.

“Veremos quais serão os resultados no final do ano, mas os independentes devem ser os principais beneficiários, visto que agora lidam com a maior parte da produção", aposta Cottet.

Os detentores de direitos autorais também serão beneficiados pela taxa sobre o streaming, como explica o executivo. “Ela vai contribuir para um sistema mutualizado que ajuda a preservar a vitalidade da produção local, a diversidade musical, os talentos emergentes, a tomada de riscos artísticos etc. Também tenta ajustar um efeito perverso do modelo de remuneração centrado no mercado, que concentra a maior parte das receitas nas mãos de uma minoria de artistas, levando ao empobrecimento de outros gêneros musicais.”

(A taxa) tenta ajustar um efeito perverso do modelo centrado no mercado, que concentra a maior parte das receitas nas mãos de uma minoria de artistas.

Guilhem Cottet, gerente geral da União das Produtoras Fonográficas Independentes da França

AMPARO AOS PEQUENOS SELOS

Ainda que os resultados práticos estejam por aparecer, a indústria local está otimista com os benefícios do imposto, principalmente por enxergar nele um suporte à criação artística não comercial.

“Acredito que o impacto, mesmo mínimo, ainda permitirá que algumas pequenas gravadoras sobrevivam nestes tempos de queda nas vendas (CDs e, em breve, LPs). Qualquer imposto sobre a mortal indústria do streaming é uma causa a ser defendida por todos aqueles que querem que a música seja uma fonte de criatividade e criação, e não apenas uma simples fonte de renda rápida", diz Jacques Denis, jornalista que escreve sobre o cenário musical para veículos como Liberátion e Pan African Music.

Para Laurent Bizot, fundador de A&R da No Format! Records, selo francês surgido em 2004 e que lança trabalhos de artistas como Salif Keita, Lucas Santtana e Balake Sissoko, o imposto deverá contribuir para que o mercado desse país não se resuma apenas ao que é popular:

“Sabemos que as gravadoras independentes trabalham naturalmente pela diversidade. Elas são movidas pela paixão, pelo amor à música, mais do que pelas expectativas de lucro. Por isso, frequentemente trabalham em nichos de mercado, não necessariamente no mainstream. Elas fazem um trabalho importante na área, explorando e desenvolvendo artistas quando ainda estão no começo, investindo esforço, orientação e dinheiro para ajudá-los a aumentar sua base de fãs. Fazem suas escolhas com base no instinto e na intuição, mais do que na análise de mercado, e é por isso que frequentemente descobrem grandes talentos antes das grandes empresas. Porque o sucesso nem sempre é previsível. Então, temos que lutar para estabelecer regulamentação e proteger a arte e o artista.”

COMO ESTÁ A DISCUSSÃO

EM OUTROS PAÍSES

Canadá

Em junho de 2024, a Comissão de Rádio e TV local anunciou que empresas como Spotify e Netflix passariam a pagar 5% dos lucros obtidos no país, estimados em cerca de 1,25 milhão de dólares canadenses anuais. Uma decisão judicial, porém, pausou a aplicação do imposto. Ao mesmo tempo, as empresas contra-atacaram o projeto de lei criando um grupo chamado DiMa (Associação das Mídias Digitais, na sigla em inglês). Um site chamado “Pare a Taxa do Streaming” foi lançado e traz textos contrários à cobrança, argumentando, por exemplo, que as empresas serão obrigadas a aumentar as suas mensalidades se a lei passar a valer. Fazem parte do grupo Amazon, YouTube, Spotify, Netflix e Apple, entre outros.

Estados Unidos

Não há uma legislação federal sobre o assunto. Como é comum no país, cada estado é livre para se organizar da forma que achar melhor. Assim, as empresas precisam pagar uma taxa na Flórida, mas não no Arkansas, por exemplo. Há até diferenças entre cidades: Chicago conseguiu incluir as plataformas digitais em um imposto sobre entretenimento que já existia; já Nova York não recolhe imposto destas mesmas empresas.

Reino Unido

Em abril, políticos de diferentes partidos começaram uma campanha para que empresas como Netflix e Amazon repassem ao menos 5% dos lucros obtidos no país. O dinheiro seria gerido por uma organização do governo, com o objetivo de fomentar a produção local, incluindo produções da BBC. A Netflix criticou a proposta, argumentando que “impostos diminuiriam a competitividade e penalizariam o público, que acabaria arcando com os custos maiores".

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