REVISTA UBC: Convidamos a advogada Cristiane Monzueto* para responder:
O uso de obras protegidas por direitos autorais — seja na música ou em qualquer outro campo artístico — para treinar sistemas de inteligência artificial levanta muitas dúvidas sobre se os conteúdos gerados por esses sistemas poderiam ser considerados plágio. Esse é um tema complexo e amplamente debatido, não apenas no Brasil, mas no mundo. A questão ainda exige cautela, pois continua dividindo opiniões.
No Brasil, estamos em uma fase de amadurecimento legislativo e regulatório, embora já existam alguns casos judiciais sob apreciação dos tribunais. De acordo com o Projeto de Lei 2.338/23 (que dispõe sobre o uso de inteligência artificial), aprovado pelo Senado e já em discussão na Câmara dos Deputados, caso um autor considere que sua obra foi utilizada indevidamente por uma IA, ele poderá tomar medidas legais contra a empresa responsável pelo sistema. No entanto, o êxito dessas medidas dependerá da legislação vigente, da interpretação dos tribunais e da apresentação de provas suficientes para demonstrar a violação.
É importante destacar que há quem defenda que conteúdos gerados autonomamente por IA deveriam ser considerados domínio público, já que não há um autor humano para reivindicar direitos autorais. No Brasil, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) reconhece apenas a autoria humana, o que cria um vácuo legal para obras geradas por IA. Se considerarmos que as criações da IA são de domínio público, não haveria um autor legítimo que pudesse reivindicar direitos autorais e, portanto, não haveria plágio no sentido tradicional. Por outro lado, em casos de intervenção humana significativa no processo criativo, há entendimento de que os direitos autorais poderiam ser atribuídos ao usuário que utilizou a IA como ferramenta. Esse é um debate atual e pode levar a novas regulamentações.
Diante das controvérsias apresentadas, pode-se afirmar, de forma geral, que conteúdos gerados por IA que apresentem similaridade substancial com obras pré-existentes podem fundamentar ações judiciais contra empresas que operam essas tecnologias. Tudo dependerá da legislação vigente, da análise probatória e técnica — como já ocorre em casos de plágio na música — e da interpretação dos tribunais à época do julgamento.
Com legisladores ao redor do mundo examinando o uso de conteúdo protegido por direitos autorais por IA, gravadoras e startups estão sob pressão de investidores para estruturar modelos comerciais que garantam conformidade legal sem comprometer o relacionamento com os criadores. Em uma publicação recente do jornal norte-americano The Wall Street Journal, foi divulgado que grandes gravadoras estão negociando catálogos musicais existentes para treinar modelos generativos. Nesse contexto, vale destacar que grandes empresas da indústria musical estão em negociações avançadas com startups de IA para estabelecer acordos de licenciamento que podem redefinir a forma como os artistas são remunerados quando suas músicas são utilizadas em conteúdos gerados por tecnologia.
*Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação no INPI, pós-graduada em Propriedade Intelectual na PUC/Rio, Cristiane Monzueto é sócia do escritório Montaury Pimenta Machado e Vieira de Mello e especialista na área digital e de direitos autorais.