Muito mais reconhecida fora do país do que dentro, Rosa Passos começa a receber as homenagens devidas. E revela: Troféu Tradições UBC 2025, entregue este mês, foi o primeiro que recebeu por aqui
por_Chris Fuscaldo • do_Rioimagens_Lordbull Filmes e Rapha Urjais
por_Chris Fuscaldo • do_Rioimagens_Lordbull Filmes e Rapha Urjais
A quarta edição do Troféu Tradições UBC celebrou Rosa Passos, grande nome da música brasileira que sempre teve mais reconhecimento no exterior. Baiana radicada em Brasília desde os anos 1970, a cantora, compositora e violonista começou sua carreira em 1979, com um álbum autoral, mas aos poucos foi descobrindo sua paixão pela interpretação de clássicos de compositores da bossa nova e da MPB.
Sempre com apoio de familiares, entre idas e vindas no mercado da música, a artista preparou o show “Suíte Brasileira” para mais uma reentrada, agora com o objetivo de espalhar seu nome pelo seu próprio país. A estreia aconteceu em 9 de junho, no Rio, durante a entrega do Troféu Tradições UBC 2025, e Rosa Passos recebeu no palco, como convidadas, as cantoras Paula Lima, Fernanda Takai e Vanessa Moreno.
Um dia, o pai disse que Rosa Passos ia cantar o Carnegie Hall, em Nova York. Esse sonho ela realizou rápido. A ideia da vez é trabalhar por um sonho que veio bem depois: fazer o Brasil conhecer melhor a potência de sua voz, sua composição e sua divisão, algo que os profissionais que a conhecem destacam como diferenciais em suas interpretações.
Cantando com Paula Lima durante a festa
Como a notícia desta homenagem da UBC a impactou?
ROSA PASSOS: Para mim, foi uma coisa muito surpreendente e maravilhosa. Eu tenho que dizer isso. Sempre fui muito reconhecida no exterior. Já recebi título (doutoa honoris causa) da Universidade da Califórnia em Berkeley – única cantora latina –, (homenagens) nas cidades espanholas de Pamplona e San Sebastián, participei do Fórum Mundial das Culturas, em Barcelona, e cantei para o rei e a rainha (espanhóis), perto de várias autoridades do mundo, fui indicada ao Grammy... Mas aqui no Brasil é a primeira vez. Já ganhei o troféu de melhor intérprete no Prêmio da Música Brasileira, mas um evento como este, feito particularmente para mim, é algo muito especial. Sempre sonhei em ter o reconhecimento dentro do meu país. Então, este momento está sendo mágico. Estou muito feliz e agradecida.
Por que a senhora acha que esse reconhecimento demorou tanto a chegar?
Acho que é um problema cultural, principalmente pelo tipo de música que eu faço. Dentro do Brasil eu não tenho tanto espaço porque faço uma música brasileira com conotação jazzística. Meu trabalho é mais internacional, talvez por isso eu tenha sido reconhecida lá fora. Acho que é questão de oportunidade de conhecer esse tipo de música, que está em falta aqui. A música brasileira, há muito tempo, está em segundo plano. Não tem espaço (aqui) para fazer uma música mais sofisticada.
Sua música dialoga com a bossa nova. No entanto, sua carreira discográfica começou em 1979, 20 anos depois da explosão do movimento. Será que o reconhecimento viria caso seu primeiro álbum tivesse sido lançado naquela época?
Eu sempre falo que gostaria de ter nascido na época da bossa nova. Eu teria sido muito feliz, porque aquele foi o momento mais importante da música brasileira. Para muita gente, hoje em dia, bossa nova é música da noite. A bossa, que é respeitada no mundo inteiro, para o Brasil é uma música velha. Grandes artistas de jazz, como Diana Krall, cantam nossa música, mas o Brasil é um país sem memória musical. Então, quando você faz esse tipo de música, não tem espaço, e cada vez os novos e modernos movimentos musicais engolem mais ainda o que a gente faz.
O espaço é escasso aqui, mas lá fora o reconhecimento é gigante, né?
O negócio é que eu comecei pelo exterior. Tudo começou lá fora. Quando eu tinha 17 anos, estava tocando violão com meu pai, mostrei uma música, e ele disse: ‘Tá muito linda, minha filha! Você ainda vai cantar no Carnegie Hall com seu violão’. Quando ele tinha 92 anos, eu liguei para dizer a ele: ‘Painho, chegou o dia!’ E ele me falou: ‘Minha filha, faça o que sempre soube fazer e continue com essa humildade e essa doçura’. Ele sempre falava que eu tinha talento, era só ter humildade. Quatro semanas antes do show, os ingressos esgotaram, e eu quase não consegui fazer o bis porque fui aplaudida de pé por muito tempo. Viajei muito pelo exterior: Europa, Estados Unidos, Japão, América Latina. Agora, depois de 46 anos de carreira, eu quero plantar aqui o meu trabalho, porque eu canto muito mais em Nova York do que no Rio de Janeiro.
A senhora já morou no exterior ou no Rio de Janeiro?
Com a cantora Vanessa Moreno
Todo mundo pensa que eu moro em Nova York, como fizeram João Gilberto, Tom Jobim... Eu saí de Salvador – onde tinha um grupo de compositores chamado Arquipélagos – para Brasília, quando me casei. No início, fiz muitos shows na noite. Eu, Jorge Helder (baixo), Lula Galvão (violão), Herivelton Silva (bateria), Zé Antonio (piano) apresentávamos 100 músicas, de bossa nova a samba e bolero, em uma casa chamada Degraus, em Brasília. Nunca saí de lá. Meu marido trabalhou como ministro por anos, e meu trabalho sempre me levou ao exterior. Dei um tempo quando meus filhos nasceram, depois voltei. Aí tive um burn-out de tanto fazer shows fora do Brasil, por causa do cansaço das viagens. Foram muitas fases, mas sou uma artista muito feliz e realizada. Não preciso provar nada a ninguém, nem pra mim mesma. Alcancei muitas coisas que muitos artistas famosos brasileiros não alcançaram.
Um diferencial em sua história é o fato de sua família apoiá-la e incentivar a sua carreira. Sempre foi assim?
Sim! Meu pai era engenheiro elétrico, mas gostava de tocar violão do jeitinho dele. Eu comecei com o piano, mas, quando ouvi João Gilberto, o mundo parou para mim. ‘O que é isso? Que divisão é essa?’ Eu tinha 11 anos, estava indo bem no piano, mas cheguei para meu pai e falei: ‘Eu quero tocar violão’. Meu padrinho tinha uma escola de violão clássico. Meu pai me deu um violãozinho, e eu fui rápida, aprendendo sozinha. Meu padrinho foi lá em casa, e ele falou para o meu pai: ‘Não vou mexer, não. Deixa ela seguir o caminho dela. Não vou prender ela na partitura’. Com isso eu fui tirando as coisas de ouvido. Depois, me casei com uma pessoa que sempre me incentivou e me ajudou. Quando meus filhos estavam mais crescidos, começaram a me incentivar a viajar. Eu parei quando eles eram pequenos, mas porque não queria deixá-los sozinhos. Os três, hoje, são bem-criados e são meus amigos.
A senhora estreou com um disco de compositora ("Recriação", 1979), mas depois foi mesclando com trabalhos voltados para a interpretação, chegando a gravar tributos a Ary Barroso, Dorival Caymmi, Tom Jobim e Djavan. Por que fez esse caminho contrário ao que, normalmente, as cantoras fazem?
Gosto muito do meu lado compositora. No começo, era uma coisa muito minha, muito sofisticada. Depois, fui aprendendo a abrir mais o lado melódico e harmônico para que as pessoas pudessem cantar minhas músicas, as parcerias que fazia com Fernando de Oliveira. Senti retorno do público. Tanto que tive música gravada por Nana Caymmi, Emilio Santiago, Leny Andrade. Parei de compor, estou mais intérprete já faz um tempo. Desde que fiz o álbum em homenagem a Elizeth Cardozo ("É Luxo Só", 2011), o meu lado intérprete foi crescendo. Eu sempre fui apaixonada pela música brasileira. Aprendi com meu pai. Cresci ouvindo o que há de melhor do jazz, das grandes cantoras, mas meu pai também gostava muito da música brasileira.
No início, houve quem dissesse que a senhora era o ‘João Gilberto de saia’. Na época, esse apelido lhe soou machista como, hoje, sabemos que é?
Um crítico chamado Sílvio Lancellotti escutou meu primeiro disco e me achou com influência de João, o que tenho até hoje, e passou a me chamar assim. Isso para mim sempre foi uma faca de dois gumes, porque é uma responsabilidade muito grande, mas também fica um rótulo. Eu não faço só o que Joãozinho fazia. Não faço só bossa nova. Faço música brasileira: jazz brasileiros, samba, bolero. Tem fã que acha que vai me encontrar só com o violão, no palco. O apelido acaba aprisionando. Mas um dia, um crítico da Folha de S. Paulo, quando fiz um show homenageando Elis Regina, escreveu: ‘As pessoas têm mania de dizer que Rosa Passos é João Gilberto de saia; a começar que eu nunca a vi de saia, ela está sempre de calças’. Eu achei tão bom! Rosa Passos é Rosa Passos. Certa vez João Gilberto falou para mim: ‘Flor, você é meu perfil com seu perfil’. Achei lindo isso!
Agora seu projeto, então, é levar seu novo show para o Brasil conhecer?
O nome do show é ‘Suíte Brasileira’, e eu passeio pela minha discografia, cantando e tocando músicas minhas e de compositores que eu gravei em disco, como Jobim, Caymmi, Djavan... Adoro ir ao exterior, fiz trabalhos lindos como o disco com Ron Carter ("Entre Amigos", 2003), mas quero falar português com meu público. Lá, eu sempre falo um texto que eu decorei: ‘Good Evening, I’m very happy to be here. I don’t speak English, but I love you’. E a plateia grita: ‘I love you too, Rosa’. Minha irmã, que é casada com um americano, que me ensinou. Agora é hora de o Brasil me conhecer. •